27 de fev. de 2011

Domingo

Ela acordou mas não quis abrir os olhos, não queria deparar-se com a fria realidade daquele domingo chuvoso e solitário. Ela havia sonhado com os velhos tempos, sonhou com aquele lugar, um esconderijo seguro para o amor proibido, onde tudo floresceu. Com aquelas conversas, dos assuntos mais bizarros, às mais complexas declarações de amor. Com aquele toque, aquele calor. E por fim, acordou com o cheiro dele indo embora de suas narinas...
Não queria abrir os olhos e ver-se deitada sozinha, naquela cama fria. Não queria ver-se maquiada e arrumada para ninguém e não queria olhar pela janela e imaginar, outra vez, onde ele estaria, o que estaria fazendo.
Não queria, também, ter que responder, outra vez, aquela pergunta, que todas as pessoas fazem: "Você ainda sente muito a falta dele?". Ela odeia essa pergunta, sempre a faz encher os olhos d'água. Ela odeia a maneira como as pessoas pronunciavam o ainda, como se esse tempo que, para esquecer de nada adiantou, por ser tudo muito recente, e para estar longe parece, já, uma eternidade, fosse o suficiente para romper o laço que se criara entre os dois. Ela odeio ver o desconforto no rosto das pessoas quando percebem que ela está prestes a chorar...
Sente-se como uma colmeia, onde as pessoas mexem, pois querem ver o que trás por dentro, mas que assusta quando percebem que deveriam tê-la deixado quieta.
Pensa em todas essas coisas com os olhos fechados, para não perder aquela visão, que além da saudade é o que resta:
O quarto pequeno, a cama de solteiro com os lençóis revirados, a porta do armário aberta, deixando entrar uma fina réstia do sol cansado, as prateleiras com as caixas, os livros... Umas peças de roupa no chão. E dentro de um frágil magnetismo, os dois corpos enroscados, com cor de café com leite.
Ela ainda ouve o suspiro aliviado e a respiração feliz, de quem ainda acredita que para sempre é para sempre...

-Roberta.

17 de fev. de 2011




"Você sabe que o cérebro ainda vive sete minutos depois que o coração para de bater?" (Freddy Krueger).


Era assim que ela se sentia, uma morta viva, emocionalmente. Não escrevia mais, não conseguia traduzir o limbo em meras palavra. "Será que é assim que é morrer?" Ela pensou... Deixar de sentir-se, olhar e não ver-se?
A vida pulsava, querendo existir enquanto a falta do coração (que havia ficado com ele) impossibilitava essa existência. Em um ímpeto de tornar-se viva, dirigiu-se ao banheiro, já tão gasto de tantos rituais. Escolheu a música, àquela e depois, acendeu um cigarro. Sugou a fumaça, com força e vontade, anestesiando os instintos represados e fez uma coisa que não fazia a muito tempo, nua, deitou-se no chão do banheiro, sentindo a frieza da sua pele morta tocar a frieza viva dos azulejos e deixou-se perder a consciência. Sem precisar abrir os olhos, as mãos ágeis encontraram a velha amiga e a direcionaram a um lugar desconhecido, onde ela jamais havia feito o líquido de cheiro doce e cor feroz brotar, mas para tudo tem uma primeira vez.
Entrou no chuveiro e ficou, a medida que a água escorria, guiava às unhas tão acostumadas sobre a pele já castigada de outr'ora: rosto, seios, ombros, braços, barriga, quadril... Como que marcando os caminhos percorridos pelas mãos acostumadas. Outra vez aquele velho êxtase, aquela vida, pulsando em cada marca, delatando acontecimentos e mostrando histórias, outra vez...
Depois permitiu-se apenas vestir-se e cair na cama, ainda de olhos fechados, a fim de que a vida não lhe escapasse, pois dizem que os olhos, são as janelas d'alma. E assim que os visse, saberia que ainda estava morta...

-Roberta.