27 de mar. de 2011

Pesadelo

Acordou do pesadelo ofegante, os pulmões em chamas, as mãos e pés formigando, como se o sangue estivesse concentrado apenas no rosto, quente, de raiva e apreensão. Ela não queria acreditar naquilo, que apesar de ser só sonho, o medo daquela possibilidade a rondava a dias...
Não gostava daquela aproximação, nem daquelas conversas. Aquele jeito dela, a fazia sentir-se ameaçada em seu próprio território. Não queria aquela situação, mas ninguém a levava a sério. Sentia como se aquilo já tivesse data pré-agendada para acontecer e ela corria para o lado oposto, mas o tempo é rei e ninguém consegue ir contra sua correnteza.
Levantou da cama e procurou vestígios da realidade: pegou as roupas que usara a tarde e que ainda rescindiam à cheiro de suor dos dois e as cheirou, como que buscando reestabelecer a ligação com a realidade perdida.
Realidade, essa que não passava do benefício da dúvida. No sonho havia visto, na realidade, apenas esperava o inevitável, com o peito em cacos.

*

"Eu perco o chão,
eu não acho as palavras.
Eu ando tão triste,
eu ando pela sala.
Eu perco a hora,
eu chego no fim.
Eu deixo a porta aberta,
eu não moro mais em mim...
Eu perco as chaves de casa,
eu perco o freio.
Estou em milhares de cacos,
eu estou ao meio.
Onde será, que você está, agora?"

18 de mar. de 2011

Tiro de misericórdia.

A falta de ar fez com que ela saísse, às pressas. Olhar os olhos dele, tão colados nela e ter que desligar-se disso causava nela uma ânsia, de vómito e fuga. Precisava de ar e escuro e isso a fez embrenhar-se pelas ruelas próximas da casa dela, deixando-a cada vez mais longe. O escuro envolvia tudo e um ventinho frio brincava nas roupas.
Caminhou até que sua respiração normalizou e passou a ouvir, com isso, apenas o estalar dos pés na calçada e o ritmo constante do coração, que mesmo ausente, continuava batendo, continuava. Olhou para os lados e se deu conta de que não sabia por onde andara até ali.
Empenhou-se em checar onde estava, qual rua era aquela, quando um homem que vinha na direção dela a segurou no pescoço.
- Boa noite, princesa. Vamos nos divertir hoje?
A reação que ela esperava de si era desespero, gritos de socorro, chutes... Mas não, havia esquecido, junto com a lingerie, a vida, no emaranhado de lençóis da cama dele. Simplesmente, não resistiu. O homem levou-a para dentro de um tapume, jogou-a contra o tapume e começou a abaixar a roupa, e ela, só deixou-se ficar. Penetrou ela com agressividade e frenetismo. Depois, virou e lambeu-lhe o rosto:
- Boa menina, não gosto de mulher escandalosa.
Ela apenas fitou fixamente os olhos dele e após um breve segundo disse:
- Me mate.
Ele olhou para ela, com espanto. E ela tornou a falar:
- Me mate, por misericórdia.
Enquanto ela falava, a mão dele, no pescoço dela, permanecia imóvel, como que congelada.
- Seu covarde! Mate de uma vez. Te reconheceria no inferno, na puta que o pariu, filho da puta. Mata ou vou te foder, te encontro e te reconheço, aonde você estiver.
Com isso, ele derrubou-a com um soco. Quando levantou os olhos frios para fitá-lo, pronta para o próximo xingamento, viu apenas um cano preto e ouviu um estouro... E por fim, deixou-se ficar, dessa vez, para sempre.

*

Tal qual se fez... Pois não foi feita, nasceu pronta.
Sem verdades nem lirismo e qualquer semelhança, é pura conhecidência.