20 de out. de 2010

Carta às memórias

Aprendemos, desde muito cedo, que somos a soma do que vivemos no passado, o que fazemos no presente e o que desejamos para o futuro, deve ser por isso que me remeto a vocês nesse momento, porque não sei mais quem eu sou.
Tenho ouvido tantas coisas que quanto mais me procuro, mais me perco em mim. Meu processo narcísico se intensifica a cada nova verdade. Quando mais eu corro, mais me volto a mim mesma. E talvez, voltando a vocês eu encontre o momento que me perdi.
Enquanto escrevo, estou no sol, posso senti-lo ardendo na minha blusa preta, e no topo da minha cabeça, sinto ele queimando as teclas do computador, onde coloco os dedos, tentando encontrar as palavras exatas pra que isso fique menos desmedido. As melancólicas músicas que propositalmente escolhi inundam meus ouvidos, junto com os sons dos carros que passam as minhas costas. São tantas coisas, que meus sentidos estão em êxtase, quase confusos. Os cheiros, os sons, as imagens, o tato e os gostos. Tudo tão familiar que chega a incomodar. Tudo tão conhecido que o tédio se anuncia em tudo que de tão certo que nem reconheço. Vejo minha imagem refletida na tela do computador, a mesma de todas as manhãs, mais ainda sim, tão diferente.
As coisas mudam e nos modificam. As coisas deixam as marcas, deixam os cheiros e deles jamais nos livraremos.
Escrevendo isso, tento lembrar, de todos aqueles episódios importantes que me fizeram ser assim.
Me lembro daquela menina que fui um dia. A gordinha tinhosa, mandona e briguenta, aquela que quebrou o dente do seu melhor amigo com uma joelhada.
E aquela que se apaixonou por um menino bobo que usava óculos. Quem amou ele pelo que ele era, e que de repente percebeu que todas as amigas se apaixonaram por ele, talvez pelo jeito que ela passou a contá-lo. Lembro de tê-lo amado por mais da metade da minha vida e também por ter chorado por ele. Lembro que fui sua melhor amiga e que ele beijou a minha melhor amiga. Lembro que nunca beijei-o e que às vezes ainda sonho com ele. Talvez seja ele, meu amor platonico, meu príncipe de cavalo branco, que caminhou para um caminho oposto...
Lembro daquela menina, a gorda que era amiga das estonteante. Lembro que até minha mãe me chamava de gorda e chamava ela de estonteante. Lembro que foi ela quem o príncipe quis. Lembro que chorei por ele, no escuro do quarto dela, enquanto ela, sadicamente, me contava sobre o doce daquele beijo que eu nunca provei.
Lembro que entre choros e amizades encontrei o primeiro homem maravilhoso da minha vida. Lembro o nome dele todos os dias. Talvez, se um dia tiver um filho homem eu dê seu nome a ele. É um lindo nome, e seu dono é um dos caras com a alma mais pura que já passou na minha vida. Foi o primeiro que me viu além de mim mesma. Nessa época eu já escrevia...
Dai eu emagreci e o anjo continuou na minha vida, continuei sendo amiga do príncipe. Lembro que foi aí que me perdi do caminho que minha mãe tinha como certo. Conheci as drogas e as ditas "más companhias". E conheci o poder de sedução, a manipulação e promiscuidade. Lembro que me achava perfeita e feliz. Parei de escrever, me perdi de mim. Muitos homens foram e vieram. Alguns me marcaram eternamente, outros foram tão descartáveis quanto fui pra eles. Achava que que era assim que queria passar o resto da vida...
Mas me lembro daquele dia fatídico. Lembro não lembrar nada e lembro que jurei que tentaria esquecer pra sempre. Lembro o cheiro, o lugar e o rosto. O rosto não tem como esquecer, ele me persegue em pesadelos, com o mesmo sorriso cruel, as mesmas palavras despresíveis e o mesmo movimento. Não consigo não chorar quando lembro, não consigo não ter medo daquele homem: o mais nojento, mas o que tenho certeza que jamais vou esquecer.
Lembro das consequências daquela noite maldita:
Dor, física e psíquica.
Vergonha.
Medo.
Lembro que foi a partir dai que quis morrer e procurei por isso...
Depois veio aquele cara, aquele que eu achei que era pra sempre. Aquele com quem me imaginei casada, aquele por quem mudei. Ele me salvou da beira do abismo. Por ele eu quis viver, por ele fui feliz, com ele descobri que o mundo ainda tinha cores. Descobri o prazer. Juntos fizemos um tesouro, nossa explosão de amor foi quase um Big Bang, e dele originou o sol das nossas vidas, nossa princesinha. Lembro dele naquele dia na maternidade e no medo que vi no fundo daqueles olhos de menino vestido de pai. Das brigas, lembro algumas, mas as felicidades são impossíveis de esquecer... Foi uma vida, linda e feliz. Quando me lembro dele sempre aquece meu coração, sempre tenho vontade de chorar, sempre penso como foi maravilhoso poder ter compartilhado todas aquelas coisas com ele e agradeço por ter sido ele e não qualquer outro. O meu Nego e a nossa história... Pra sempre nossa e linda, ainda que separados, juntos. Quando ela nasceu, nos uniu pra sempre e agradeço, porque não ia querer perder ele por nada no mundo...
E depois meu doce vampiro... Quem me tirou o ar e o chão. Quem procurou me encontrar. Aquele que me abraçou e disse que o mundo ia ficar bem. Eu quis tanto ele, que ele me quis também. E a nossa história que ainda continua...
São tantas coisas, tantas vidas, tantas mulheres que nem sei... Talvez por isso eu não me reconheça enquanto alguém, sou alguéns e tive alguéns na minha vida. Tive bons, ruins e os que são impossíveis de categorizar. Conheci mundos e vi coisas...
Virei esse complexo de pessoas, ou como diria Raul "essa metamorfose ambulante", que ainda que saiba ser impossível achar, vai eternamente procurar por um Eu, uma Roberta, um mosaico de amores, por homens e mulheres; de drogas e músicas; de amigos e inimigos; de paixões reais e impossíveis; príncipes, anjos, monstros e dragões.
Em lindos dias de sol ou horríveis noites de tempestade...
E vocês, memórias, são isso, as peças que me fazem ser eu, boas e ruins...
É bom poder voltar a vocês e me encontrar em cada fragmento de mim mesma. Até a próxima necessidade...

-Roberta.

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